19 de ago. de 2010

Por que não a transparência nos rótulos ? (2)

 No afã de ampliar suas vendas, a indústria mundial de vinhos  modelou  um tipo de vinho para consumo de massa, fácil de beber, e depois criou um factóide, uma lenda de marketing, apresentando esse tipo de vinho como aquele que os consumidores desejam. Vinhos de produção controlada, de alta escala, uniformes, de venda induzida pela propaganda e retorno rápido.

Isso começou nos Estados Unidos e Austrália, alcançou países europeus, depois Argentina e Chile e chegou também ao "Brazil".
Esses vinhos tem uma boa cor, textura tânica e são agradáveis de beber, isto é, tem pouca acidez - são "docinhos".

Os mercados brasileiros estão inundados desses vinhos, vindos da Argentina e do Chile, mas também produzidos no Brasil, seguindo a tendência mundial. É o caso da maioria dos "reservas" e "reservados" chilenos e argentinos.

Grande parte são vinhos demi-sec ou meio-secos, portanto vinhos com açúcar residual que pode ir de 5,1 gramas até 20 gramas de açúcar por litro (pela legislação brasileira), mas você só vai descobrir que é meio-seco se ler o contra-rótulo com lentes de aumento.  Ou não vai descobrir, porque a informação foi omitida, fato muito comum. O rótulo principal vai indicar apenas "vinho fino tinto", por exemplo.

Assim é o "Reservado" da chilena Concha y Toro, na faixa dos R$16,00. O contra-rótulo, em letras microscópicas, corpo tamanho 5 ou 6 vai informar, lá pela terceira ou quarta linha, em meio a uma sequência de importadores do produto em vários países da América Latina, que é um vinho meio-seco.Mas só descobre quem lançar mão de uma lupa. Até o próprio Concha y Toro, varietal Pinot Noir, um vinho que beira os R$30,00 é um meio-seco, está lá no contra-rótulo.


Da mesma forma o vinho argentino Etchard Privado, varietal Cabernet Sauvignon, safra 2009, cerca de R$18,00 a garrafa, foi vendido em uma rede local de supermercados (Rio Grande do Sul), inicialmente sem referência, até que nos mês em curso apareceu com uma pequena etiqueta adesiva no contra-rótulo, indicando tratar-se de um  demi-sec.

Muitos vinhos brasileiros de preço médio também abriram mão da acidez, restando "docinhos", fáceis de beber, para acompanhar a concorrência chileno-argentina. Parece que as últimas colheitas tem sido feitas quando as uvas ultrapassaram o grau máximo de maturação, gerando vinhos pesados, quase sem acidez. Ou...Embora não se saiba como, ainda se enquadram na categoria secos.
 
Essa realidade de mercado não ajuda a  criação de uma cultura do vinho no Brasil. Uma educação para o consumo de vinho se faz com informação correta em todos os níveis, especialmente no rótulo do produto.



16 de ago. de 2010

  
Depois do selo fiscal, por que não a transparência nos rótulos?


O selo fiscal, a ser implementado até novembro de 2010, saudado pela mídia corrente e pelos dirigentes da indústria vinícola como garantidor de qualidade do vinho brasileiro, poderia ser seguido de outra iniciativa já reclamada por enófilos no primeiro mundo: a transparência das informações contidas nos rótulos dos vinhos, a qual, esta sim, poderia dar mais segurança aos consumidores.

Nos Estados Unidos, o conhecido cronista de vinhos Matt Kramer, autor de livros emblemáticos sobre o assunto e colunista da revista Wine Spectator, lançou no começo de maio mais uma de suas campanhas, na série Manifesto 2010.  "Tell us the truth" ou "digam-nos a verdade", é o desafio que lança aos produtores de vinho estadunidenses.

Lá, a produção massiva, os avanços tecnológicos e os permissivos legais resultam em práticas admitidas porém não declaradas, tais como:
  • acréscimo de água para reduzir o alto teor alcóolico de vinhos decorrentes de uvas colhidas em sobrematuridade; 
  • concentração do mosto (retirada de água por processos mecânicos) em colheitas diluídas por excesso de chuvas, por exemplo; 
  • rebaixamento do grau alcóolico (retirada de álcool por processos mecânicos, tais como osmose inversa ou cones de filtração); 
  • acréscimo de aditivos para melhorar a cor ou aromas dos vinhos; melhoria da acidez, com adição de ácido cítrico, málico ou tartárico, para compensar vinhos de colheitas sobremaduras que rebaixam a acidez; e adições de taninos.
Kramer também demanda que os rótulos contenham informações tais como a quantidade real de acúcar residual contida no vinho. A legislação brasileira prevê que um vinho para ser considerado seco deve ter no máximo 5 gramas de açúcar por litro. No entanto, fica-se em dúvida, diante de vinhos finos ditos secos "tão facilzinhos de beber" encontrados em lojas e grande distribuição.

Uma rápida análise dos rótulos e contra-rótulos dos vinhos finos brasileiros encontrados nas prateleiras dos supermercados e casas de vinhos mostra que, além de descrições das características organolépticas do produto e de sugestões de acompanhamento e consumo,  pouca ou nenhuma informação é acregada ao mínimo exigido pela legislação.

Uma exceção é o caso da vinícola Don Abel, do Rio Grande do Sul,  que imprimiu nos rótulos dos seus vinhos premium carimbos enunciadores com as expressões: "sem passagem pelo carvalho" e "sem adição de açúcar - sem chaptalização". Isso é realmente um progresso para expansão de uma verdadeira cultura do vinho no Brasil.


Aliás, as referências à "passagem pelo carvalho" podem permitir conclusões duvidosas. O que isso quer dizer? Que lascas, ripas ou pó de carvalho foram colocados nos tanques onde fermentou ou repousou o vinho antes de ser engarrafado? Ou que o vinho realmente estagiou algum tempo em verdadeiras barricas de carvalho? Essa expressão camufla a realidade. O consumidor é  levado a acreditar que está diante de um vinho superior, que vale a pena comprar, pois teria agregado uma qualidade que somente a barrica confere.  Não é educativo, muito menos honesto.

Além disso, o estágio em barricas de carvalho não indica necessariamente qualidade do vinho. Indica apenas um estilo  de vinho. Os consumidores dos Estados Unidos, por exemplo, gostam de vinhos com fortes traços dessa madeira. Um novo estilo mundial de consumo vem se afastando desse modelo.