29 de dez. de 2009


A VODKA E O VINHO - O negócio da Pernod Ricard com a Miolo



No mundo do vinho brasileiro, a primeira década do século 21 vai se fechando com a compra espetacular do complexo vitivinícola Almadén, da multinacional francesa Pernod Ricard, pela brasileira Miolo Wine Group, anunciado no começo de outubro último.

A importância do negócio é dada pela dimensão do empreendimento adquirido, segundo comunicado conjunto enviado à imprensa: 1200 hectares de terras, na localidade de Cerro Palomas, em Santana do Livramento, paralelo 31, na região da Campanha, Rio Grande do Sul, dos quais 575 hectares cultivados com viníferas finas; área industrial com capacidade anual de processamento de 6 milhões de quilos de uvas e de armazenamento de mais de 8 milhões de litros em tanques de inox e 63 mil litros em barris de carvalho; unidade de engarrafamento capaz de produzir 700 caixas/hora. O patrimônio inclui as marcas das linhas de vinhos Almadén Reserva Especial, Almadén Sunny Days, Almadén Clássicos e espumantes Almadén. Para a Miolo Wine Group, a transação significou uma oportunidade inescapável na direção da liderança no mercado brasileiro de vinhos, o que será a alcançado com a produção de 12 milhões de litros de vinhos finos e um faturamento de R$100 milhões, de acordo com o informe .

Mas a pergunta que se impõe, diante da magnitude do negócio, é por que teria a Pernod Ricard resolvido abandonar a Vinícola Almadén, cuja marca ao longo de 20 anos era líder no segmento de vinhos finos nacionais, ainda constando como a mais lembrada pelos consumidores em diversas pesquisas, e num momento em que se revelam altamente promissoras as tendências de crescimento do consumo e de vendas do mercado brasileiro de vinhos e espumantes?

Algumas informações locais indicavam que a Pernod Ricard baixara progressivamente os investimentos na Almadén e que perdera terreno no negócio do vinho no país, com o recente fim da licença de comercialização da marca Casillero del Diablo, rótulo importado dentre os mais vendidos no Brasil, pertencente ao grupo chileno Concha y Toro. São fatos consideráveis, mas não explicam os motivos da transação.



Na realidade, a resposta mais plausível para a venda da Almadén chama-se Absolut Vodka, marca incorporada ao portfolio da Pernod Ricard em meados de 2008, a um custo de 5,69 bilhões de euros – afirma Alfredo Manuel Coelho, pesquisador associado do Centro Internacional de Estudos Superiores em Ciências Agronômicas da França (SupAgro), localizado em Montepellier. Em contato exclusivo ao Blog Cantina de Porão, ele explica que a marca Absolut “foi um investimento excessivamente caro para a Pernod Ricard, que aumentou muito o seu nível de endividamento”.

“O negócio que mais interessa a Pernod Ricard são os destilados e não o vinho, apesar de ter uma presença importante no setor de vinhos na Austrália, Nova Zelândia, Argentina e Espanha”, diz Coelho. A razão, mostra o pesquisador, é que “as margens dos destilados são muito superiores e o objetivo da Pernod Ricard é ultrapassar a quota de mercado do líder mundial de destilados (Diageo)”. Nos Estados Unidos, por exemplo, a vodka é um dos segmentos de bebidas destiladas de maior crescimento. “No ano passado, a taxa de crescimento foi de 25% em volume, enquanto o rum, que ficou em segundo lugar, cresceu 12% em volume” – acrescentou.

Nessa perspectiva, em julho de 2008 a Pernod Ricard finalizou a compra da empresa sueca Vin & Spirit, que controlava a marca Absolut, vodka líder em vendas em muitos mercados, incluindo os Estados Unidos. Para a redução da dívida, diminuição do risco e manutenção dos padrões de benchmarketing diante das competidoras Diageo, Brown-Forman e Fortune Brands, foi necessária a venda de outros ativos controlados do grupo francês, explica Alfredo Manuel Coelho.

Segundo o pesquisador, depois da compra da vodka Absolut, a Pernod Ricard tentou vender as vinícolas que mantém em Rioja, na Espanha, especialmente a mais importante, a marca Campo Viejo. Mas, continua ele, “o problema é que hoje, no mercado mundial há demasiadas empresas vinícolas à venda (especialmente na Austrália) e o setor do vinho na Europa atravessa muitas dificuldades”. Isso explica a oferta à venda da Almadén, uma jóia rara para qualquer empresa interessada em aumentar o seu espaço no mercado brasileiro de vinhos e espumantes. Um negócio que certamente não foi cotado abaixo dos preços internacionais na avaliação de Alfredo Manuel Coelho, especialmente considerando as expectativas de crescimento do consumo e vendas de vinho no Brasil e a inevitável atenção que deverá ser dada às taxas de importação de vinhos, no sentido de proteger a indústria brasileira de vinhos, observa.


Por outro lado, Coelho considera que, em função das crises do setor internacional do vinho (sobreprodução no sul da Europa e na Austrália) e da crise financeira mundial, da qual a Europa, Estados Unidos e outros grandes países ainda se ressentem, o momento não é propício à venda de propriedades vitivinícolas, mas sim à compra, pois há muitas oportunidades boas no mercado internacional, para quem tem dinheiro, evidentemente. Essa realidade pode ter rendido alguma vantagem à empresa brasileira na transação, mas a conjunção de interesses específicos certamente determinou o valor do negócio, aliás não revelado, nem objeto de especulações, na imprensa local.

Notas:

1- Alfredo Manuel Coelho, pesquisador PhD da Unidade Mista de Pesquisa - Mercados, Organizações, Instituições e Estratégias dos Atores (UMR/MOISA/ SupAgro/Montpellier) é autor e co-autor de vários trabalhos sobre a globalização do mercado do vinho e as estratégias das multinacionais do vinho, especialmente a partir dos anos 80.

2- Analisando-se o perfil da Pernod Ricard, que se apresenta em sua própria página na internet como empresa co-líder mundial em spirits, pode-se perceber que efetivamente o grosso do negócio da multinacional está relacionado à marcas mundialmente famosas de bebidas destiladas tais como:uísques Ballantine’s, Chivas Regal, Jameson, The Glenlivet; vodka Absolut, gin Beefeater, rum Havana Club; licores Malibu e Kahlua; conhaque Martell; aperitivo de anis Ricard, além de dezenas de outras marcas locais.

3- O grupo Pernod Ricard também tem posição de liderança no mercado de vinhos premium, ocupando o 4º lugar no ranking mundial, com as marcas Jacob’s Creek (o vinho australiano mais conhecido internacionalmente), Montana (o vinho neo-zelandês mais vendido no mundo),e os champanhes franceses Mumm (vendido em mais de 100 países) e Perriet-Jouët (entre os dez líderes de mercado dos champagnes premium).

4- Na Argentina, a Pernod Ricard controla as seguintes marcas: Graffigna, Etchart, Colón, Santa Sílvia, Balbi e o espumante Mumm. Coincidentemente, são marcas de vinho exportadas para o Brasil e presentes em grandes redes de distribuição no Rio Grande do Sul. Na Espanha: Campo Viejo e Marques de Arienzo, entre outras.

5- Após a venda da Almadén, a Pernod Ricard mantém um escritório central em São Paulo e duas unidades fabris, a matriz em Suape, Pernambuco, dedicada ao blending e engarrafamento dos destilados Ron Montilla, uísques Passport, Teacher's, Natu Nobilis e vodka Orloff. Em Resende, no Rio de Janeiro, funciona a destilaria, o envelhecimento, o blending e o engarrafamento dos mesmos produtos de Suape, além da Cachaça Janeiro, Cachaça São Francisco, Rum Malibu, dentre outros, conforme informações da página da empresa na internet.

6- Na seqüência da compra da Vin&Spirits, em 2008, a Pernod Ricard tomou várias iniciativas para restaurar sua capacidade financeira. O programa de vendas, com 70% das metas cumpridas, já alcançou um montante de 700 milhões de euros, segundo relatório anual da empresa 2008-2009, e incluiu entre outras, a venda das marcas Bisquit (conhaque), Wild Turkey (bourbon) e Tia Maria (licor de café), até julho 2009.

5 de nov. de 2009

DOS MANDAMENTOS DO VINHO

Mandamentos do vinho há muitos, em todo o mundo, reflexos das experiências e da cultura de cada povo. Humorísticos e apelativos a maioria, outros proverbiais e prescritivos. Gosto mais dos atribuídos ao expert argentino em vinhos Miguel Brascó, responsável junto com o jovem conaisseur Fabrício Portelli pelo Anuário Brascó de los Vinos Argentinos, que tem como subtítulo “o guia mais descolado”. Gosto porque Brascó assinala que beber vinho é uma experiência subjetiva, que não há receitas, nem regras. E o mais importante é que o vinho é algo integrante da refeição e, fundamentalmente, algo para ser apreciado no convívio, em boa companhia.





Los 10 de Brascó (del vino)

1. “Para tomar vino no hay que saber nada.”
“Para tomar vinho não é preciso saber nada.”

2. “No te dejes impresionar por lo que dice la gente acerca del vino. Nadie sabe nada.”
“Não te deixes impressionar pelo que dizem as pessoas. Ninguém sabe nada.”

3. “El mejor vino es el que a ti te gusta.”
“O melhor vinho é aquele que te agrada.”

4. “El vino no se habla, el vino se toma. Es un elemento de la mesa, no para degustar.”
“Do vinho não se fala, o vinho se bebe. É um elemento da mesa, não para degustar (analisar criticamente).”

5. “El vino en la comida mejora el placer del comer.”
“O vinho junto com a comida aumenta o prazer do comer.”

6. “Ni el vino tiene que ser más fuerte que el plato, ni el plato tiene que ser mas fuerte que el vino.”
“ Nem o vinho tem de ser mais forte que o prato, nem o prato tem de ser mais forte que o vinho.”

7. “Hay que probar varios vinos, para irse formando una experiencia. Escoge uno y prueba todas sus versiones para comparar.”
“É preciso provar vários vinhos, para ir formando uma experiência. Escolhe um e prova todas as suas versões para comparar.”

8. “Si sabes comer, sabes cocinar, entonces por naturaleza buscarás el vino adecuado.”
“Se sabes comer, sabes cozinhar, então naturalmente buscarás o vinho adequado.”

9. “El vino te levanta la vida.”
“O vinho eleva a tua vida”

10. “No hay vinos, hay botellas. No hay botellas, hay copas. No hay
copas, hay situaciones. No hay situaciones… hay compañías.”
“ Não há vinhos, há garrafas. Não há garrafas, há taças. Não há taças, há situações. Não há situações...há companhias.”

13 de out. de 2009

UM SÁBADO NA FENACHAMP


Para quem gosta de espumante e quer aumentar suas experiências degustativas, uma oportunidade imperdível é a visita a Fenachamp, a Festa do Espumante, que acontece até o dia 25 de outubro, em Garibaldi, na Serra Gaúcha.

Em um ambiente bastante agradável, é possível sentar-se confortavelmente e degustar espumantes variados de mais de 20 vinícolas, pagando em torno de R$4,00 a R$5,00 a taça, ou dividir uma garrafa com amigos, a preços médios de R$20,00. Ou seja, espumantes de grande qualidade, a preço de supermercado, com a diferença de poder usufruí-los em um ambiente requintado e ainda beliscando algum petisco que pode ser pedido em stands próximos.

A recomendação que se faz para quem está buscando ampliar seu leque de opções de degustação é deixar de lado as marcas mais conhecidas das grandes vinícolas e incursionar pelos stands das pequenas ou novas vinícolas, cujos rótulos dificilmente serão encontrados em pontos de venda usuais, ou mesmo fora da sua região de produção. Algumas vezes eles estarão depois apenas em alguns caros restaurantes de centros maiores.

Portanto, a ordem é garimpar, conversando com o pessoal de atendimento, que às vezes são os próprios produtores ou seus familiares. É a grande chance de descobrir espumantes muito bem elaborados e de excelente custo-benefício. Dentre os inúmeros espumantes de qualidade presentes na festa, destaco o Pedrucci Brut e o Pedrucci Brut Rosé, elaborados pelo método Charmat. Ambos surpreendem pelo frescor, pelos aromas delicados e perlage de bolhas finas e de longa persistência. Confira também o stand das microchampanharias da Associação dos Vinicultores de Garibaldi (Aviga).

Ao longo do dia, o pavilhão da Fenachamp ainda é palco para apresentações musicais de grupos locais, não necessariamente profissionalizados, mas que são expressões da cultura urbana e rural local e dos esforços de integração comunitária. Assim, idosos do coletivo "Vivere Bene" emocionaram os visitantes com performances de baile de máscaras medieval e do espetáculo "New York, New York". Não falo aqui dos shows de grupos ancorados na mídia, trazidos para atrair multidões à festa, mas daquilo que é genuína construção da criatividade local.

















Na parte externa, próximo a entrada onde foi montada a Vila Típica Italiana, há venda de
artesanato e produtos regionais. No casarão onde funciona a cozinha colonial, é possível ver como se fazia, no passado,o pão, a cuca e massas doces no forno a lenha.









Entre as tendas, também encontramos em um coreto,o duo Olímpia e Elisete, cantando tristonhas e antigas canções regionalistas e gauchescas, ao som de um surrado acordeão, manejado por Olímpia. A falta de aplausos não desanimava a dupla, Olímpia até se encorajou a mostrar composições suas, de amores desfeitos e partidas inesperadas. Ela é a "gaúcha da gaita" na emissora de rádio local. Lá pelas tantas, na tarde quente, alguém mandou uma taça de espumante a Olímpia...






15 de ago. de 2009


OS 20 ANOS DE “AVENTURAS NA ROTA DOS VINHOS”

Arlete R. de Oliveira
Jornalista

Um livro inspirador sobre a busca da originalidade e da diversidade no mundo do vinho está completando 20 anos em 2008. Não se trata de um manual de viticultura ou enologia. É a trajetória de um homem que, em pleno boom internacional dos vinhos superalcoólicos e madeirizados, nos anos 80, resolveu seguir na contracorrente. Tomou para si uma espécie de cruzada no sentido de garimpar na França os melhores vinhos elaborados no velho estilo tradicional, por pequenos produtores. E tornou-se uma lenda pela reverência a uma vinicultura de mínima intervenção, que acreditava revelar a melhor expressão de cada lugar, em vinhos de grande riqueza de cor, aroma e sabor.

Desafortunadamente, o relato de “Adventures on the Wine Route”, de Kermit Lynch, não despertou o interesse dos tradutores brasileiros na época de seu lançamento, nos Estados Unidos, em 1988. Na atualidade, entretanto, quando o mundo parece cansar-se da moda de vinhos superpesados que predominaram nas últimas décadas, o livro de Lynch merece ser citado como referência de um estilo de produção mais natural, que reconquista espaço em todo mundo, e também como precursor dos atuais movimentos contra estandardização do gosto promovida pela produção industrial globalizada. Prova de que a obra não perdeu interesse foi o recente lançamento de uma nova edição da tradução francesa, agora em formato de bolso, pela editora Payot & Rivages, de Paris.

Em suas “Aventuras na Rota dos Vinhos”, Lynch, um importador que tinha uma pequena loja na Califórnia, em meados dos anos 70, narra a história de sua conversão aos vinhos elaborados no velho estilo e da peregrinação que realizou anos a fio nas regiões demarcadas de qualidade na França, a procura de vinhos vinificados naturalmente. O que ele buscava eram vinhos diferenciados, com pouca ou nenhuma adição de sulfito, preferencialmente sem filtração. Tinham de ser originais, expressando as características do local onde os vinhedos eram cultivados, e elaborados de modo a não perder o perfume, os gostos terrunhos e a capacidade de permanecer vivos ao longo do tempo.

O ENCANTO DA DIVERSIDADE

“Um dos milagres do vinho francês, uma razão pela qual ele é incessantemente encantador é sua diversidade”, admirava-se ele, referindo-se à capacidade de se encontrar numa mesma região e com uvas de um mesmo varietal, vinhos com nuances diferentes de aroma e sabor. Graças às suas incursões pelo interior da Borgonha, dos vales dos rios Loire e Rohne, da Provence, Bordeaux e sudoeste francês, ele conseguiu estruturar uma rede de fornecedores de vinhos de grande qualidade que se manteve e se renovou ao longo dos anos.

Lynch vinha de uma época em que o paladar californiano exigia vinhos de “encher a boca”, às custas de qualquer outra virtude, inclusive autenticidade. Mesmo a França, dizia ele, em todas as regiões importantes, estava cheia de vinhos superalcoólicos e supermadeirizados, devido a excesso de chaptalização (adição de açúcar ao mosto para aumentar o teor alcoólico) e passagem prolongada em barricas de carvalho novas. Para Lynch, o destaque dado a esses vinhos tinha uma causa: a prática de degustação às cegas, que acabava sempre elegendo o mais “potente”, dentre os avaliados. Os vencedores eram vinhos “arrasa-quarteirões”, big wines, monstros em taninos e álcool, que amadurecendo, perdiam a fruta, mas continuavam monstros em taninos e álcool, afirmava ele. Na sua opinião, esse tipo de certame era feito para seduzir jornalistas e degustadores, para que influenciassem os consumidores, do mesmo modo como impactaram as práticas de vinificação adequando-as à fórmula.

A crítica de Lynch tinha relevância, considerando-se que apenas nesta primeira década do século XXI, alguns dos grandes comentaristas internacionais de vinhos começaram a repudiar a moda de vinhos supertânicos, superalcoólicos e com excesso de carvalho. A avaliação de vinhos visando sua pontuação em um ranking também foi alvo de sua crítica. “Os escores numéricos afastam os consumidores de uma real e significativa apreciação de vinho fino”.O melhor, apontou ele, é “apreciar um vinho pelo que é, com a mente aberta, buscando o prazer, não um escore numérico”.

PRODUZIR A UVA, CRIAR O VINHO

O que é especial no livro de Lynch é o modo como fez seu aprendizado em conversas nas cantinas, junto das barricas, cheirando e degustando vinhos, escutando e anotando. É assim que nasceu um sentimento quase reverencial pela sabedoria daqueles vignerons artesanais, guiados pela experiência, gosto e instinto plasmados em séculos de existência. Naquele mundo que Lynch ia descobrindo viviam homens simples, perfeitamente integrados ao ofício de produzir a uva e criar o vinho. Tinham as mãos escurecidas pelo trabalho nos vinhedos e na caves e sabiam tirar da terra a sua melhor expressão, utilizando praticamente apenas insumos e práticas naturais. Muitos desses personagens e lugares foram registrados em imagens em preto e branco pela fotógrafa Gail Skoff, esposa do autor.

Mais do que mero importador, Lynch tornou-se uma figura lendária também pelo seu trabalho educativo. Primeiramente por destacar a diversidade de aromas e sabores que poderiam ter vinhos originários de vinhedos cultivados em diferentes regiões, tipos de solo, climas e altitudes e resultantes de diferentes práticas de cultivo e de vinificação. São os elementos que caracterizam a famosa expressão francesa terroir. Depois, por sua insistência na originalidade dos vinhos produzidos com mínimas técnicas de intervenção, “vinho natural”, e sem filtração, “vinho vivo”, segundo ele.

Na visão de Lynch, dentre as ameaças daquele momento ao estilo tradicional de vinicultura se destacava a expansão da tecnologia industrial, facilitando maior lucro com a ampliação da produção daquilo que os seus amigos vignerons chamavam de “vinho tecnológico”. Decepcionado, ele registrava as mudanças. “Hoje a mentalidade é diferente. O instinto motivador é diferente. O progresso não é mais medido pela qualidade; é medido pela segurança e facilidade. A enologia está afastando o lado arte do fazer vinho”, resumia.

“O VINHO É ALGO VIVO”

Assim, lamentava ele, desaparecia lentamente a velha França.“A vinificação tradicional em cada região vinícola francesa, permitiu o terroir expressar-se no vinho. As técnicas modernas destroem ou mascaram essa originalidade em nome da segurança”, afiançava. Note-se que estava falando do observava naquele país nos anos 80. Poucos dos novos enólogos – dizia Lynch – sabem degustar ou se importam com o gosto do vinho, desde que as análises estejam corretas. “Eles se sentem seguros com um vinho estéril. Isso não é vinho. Vamos dar um outro nome a essas bebidas baseadas em uvas. O vinho é algo vivo”.

Embora trabalhando com produtores praticamente desconhecidos para os consumidores americanos na época, Kermit Lynch construiu sua reputação com base em um compromisso com altos parâmetros de qualidade de degustação. Só negociava com aqueles que, além de seguirem a vinificação tradicional, também engarrafavam o vinho na propriedade, uma garantia de autenticidade. Ainda foi um dos primeiros importadores dos Estados Unidos a transportar suas encomendas em containers refrigerados, da Europa até a porta de sua loja.

Muitos dos vignerons citados no livro já não são mais fornecedores de Lynch, ou porque desapareceram, ou porque deixaram de produzir no estilo tradicional, ou porque não houve mais acordo comercial. Mas boa parte dos nomes mencionados em seu livro encontra-se hoje no topo de uma lista de vinicultores regionais de grande projeção na França: Hubert de Montille, Henry Jayer, François Reveneau (Borgonha); Jean Louis Chave, Auguste Clape, Henri Brunier (Rhone); Didier Dagueneau, Charles Joguet (Loire) e Domaine Tempier - família Peyraud (Provence). Também foi Lynch quem levou os vinhos do aguerrido Aimé Guibert (Mas Daumas Gassac), para os californianos.

Com tanto encanto pelo vinho, Lynch acabou também se tornando produtor. Em 1998, em parceria com a família Brunier, adquiriu o Domaine Les Pallières, em Gigondas, nas encostas ao sul do rio Rhone, região da Provence. Hoje, aos 65 anos, vive metade do ano com a família, próximo a Toulon, no sul da França, e outra metade nos Estados Unidos. Adventures ganhou o prêmio Livro do Ano Veuve Clicquot – USA e também foi traduzido para o francês. Em 2005, Lynch igualmente recebeu a medalha Chevalier de la Legion d’Honneur do governo francês, como anteriormente outras tantas personalidades estrangeiras do mundo do vinho, entre elas os também americanos Robert Mondavi (produtor que revolucionou a vitivinicultura nos Estados Unidos) e Robert Parker Jr.(o mais famoso crítico de vinhos da atualidade).

“Vinho verdadeiro é mais do que uma bebida alcoólica. Quando se experimenta um vinho de um terroir nobre, bem elaborado, incólume e vivo, pode-se concluir: aqui está um presente da natureza, a fruta da vinha suprida pela terra, amadurecida pelo sol, modelada pelo homem”. (Kermit Lynch)


(Matéria originalmente publicada na edição de setembro de 2008 da Revista Bon Vivant, do Rio Grande do Sul)

DA ARTE DE ESCREVER

“A experiência de ir ver o mundo, a curiosidade de olhar e escrever, muda-nos e muitas vezes não sabemos o que pensamos sobre certa experiência até escrevermos sobre ela”. (V.S. Naipaul)