5 de abr. de 2012

“MOSCATO MANIA” NOS ESTADOS UNIDOS

UMA NOVA GERAÇÃO CONSAGRA O TIPO DOCE COMO ENTRADA AO MUNDO DO VINHO

Uva moscato. Imagem: Dolce Italia
O mercado vitrine do mundo – Estados Unidos – está vivendo desde 2008 uma explosão de vendas de vinhos suaves, especialmente brancos, mas também tintos, em escala jamais verificada antes. A onda atual é liderada por vinhos de uva Moscato, doces, levemente frisantes ou espumantes. O público adepto é formado por jovens consumidores urbanos, os chamados “Millennials”, grupo de idade entre 21 e 34 anos, e tem forte ancoragem nos segmentos afroamericano, mulheres e menor renda. Para essa geração, o Moscato ganhou o signo popular de “vinho alegre,  vinho de celebração”.

A nova tendência de consumo foi revelada em relatórios do “Wine Market Council” e da consultora de mercados “Nielsen”, divulgados no início do ano corrente. Segundo os dados, as vendas de Moscato cresceram 200% entre 2009 e 2011. Só em 2011, o crescimento foi de 78%, representando um faturamento de 300 milhões de dólares . O varietal sozinho abarca 3,6 % do mercado de vinhos de mesa, e é neste momento o mais crescente em vendas, dentre os vinhos brancos (embora o Chardonnay ainda domine a cena, com 20% do mercado, mas com crescimento de apenas 1%).

 Na interpretação de comentaristas da mídia americana, há um conjunto de fatores  que explicam a tendência: uma inclinação natural para bebidas adocicadas de gerações que cresceram sob o domínio do doce na alimentação; a influência de astros do hip-hop, incluindo menções do vinho em canções e eventos; o preço acessível da bebida (menos de 10 dólares); o baixo teor alcóolico (em média 9% ou menos, enquanto outros vinhos americanos chegam facilmente a l4% de álcool); o aroma fresco, frutado e floral, evocando lembranças familiares; e uma leve estabilização de preços nessa área de bebidas, nos últimos anos. Antes era um vinho de sobremesa, agora é um vinho para qualquer momento, para horror dos puristas.

A “Moscato Mania”  é considerada o maior fenômeno no mundo dos negócios do vinho nos Estados Unidos, desde a moda Zinfandel branco, dos anos 90 (quando até uma cooperativa vinícola gaúcha criou uma marca e a exportou aos Estados Unidos e agora também vai aproveitar essa onda). Ciclos de consumo similares nesse país ocorreram nos anos 1970, com os vinhos rosés portugueses; e nos anos 1980, com os Lambruscos italianos. Mais recentemente, em decorrência da exibição do filme Sideways, houve uma pequena explosão de vendas de vinhos do varietal Pinot Noir, a partir de 2005.

ESTILO FRISANTE E ESPUMANTE

Paisagem de Asti, Itália
O estilo de vinho que conquistou o público dos Estados Unidos é inspirado no Moscato d’Asti italiano (Piemonte), que, na origem, é elaborado com uvas Moscato di Canelli (ou Moscato Bianco), é levemente frisante, frutado, com baixo teor de açúcar residual e nível de álcool de 5,5%; e nos espumantes elaborados pelo método Asti, com até 9% de álcool (como os espumantes moscatéis brasileiros).

Mas, diferentemente dos vinhos importados da Itália, com denominação de origem controlada e garantida, como o Moscato d’Asti, os vinhos Moscato elaborados nos Estados Unidos utilizam a variedade mais plantada na Califórnia, a Moscato de Alexandria, considerada menos fina. Além disso, em muitas avaliações de vinhos Moscato populares, publicadas pela mídia americana, há menções a vinhos muito doces, que parecem “xaropes”, no dizer dos críticos. Segundo o colunista de vinhos Robert Haynes-Peterson, que escreve para várias publicações americanas, “a maioria das marcas mais populares são apenas vinhos simples, doces e frisantes”.

FÁCIL DE DIZER, BEBER E COMPRAR

Líder de vendas  nos EUA
Os vinhos suaves encontraram o seu público especialmente entre consumidores abaixo dos 34 anos, a chamada Geração Millennial. A metade do atual consumo de Moscato é devido ao grupo, segundo “Nielsen” e “Wine Council Market”. Junto com a Geração X (35-46 anos), estão impulsionando o crescimento do mercado de vinho nos Estados Unidos, nos últimos anos, é o que mostram as pesquisas.

Bill Easton, produtor da Terre Rouge Easton, da Califórnia, que já teve vinhos avaliados em até 94 pontos pelo crítico Robert Parker, tem uma definição simples para o fenômeno. Em entrevista à Agência France Presse, afirmou: “O motivo pelo qual o Moscato tornou-se popular é o mesmo pelo qual o Zinfandel tornou-se popular há 20 anos: porque é doce. Consumidores americanos de vinho inexperientes gostam de doçura. O paladar europeu aprecia a acidez. O paladar americano é voltado para o doce”.

Já para Lisa Carley, colunista e consultora de vinhos da publicação eletrônica New York Wine Examiner, o crescimento de vendas do Moscato e de outros vinhos tintos suaves “parece indicar que os americanos estão mais confortáveis com o vinho em geral. Por isso, eles estão bebendo o que eles gostam e não o que outros acham que eles deveriam beber”.

Segundo John Jordan, gerente de uma vinícola californiana, a Geração Millennials não está interessada no que os críticos ou experts estão dizendo, mas apenas na opinião de seus pares. “Eles querem ver e ouvir o que pessoas como eles pensam sobre o assunto ”, diz, em entrevista à colunista e consultora de vinhos Mary Gorman-Mac Adams. Questões como pontuações ou origem não interessam.

A popularidade conquistada pelo Moscato é devida ao gosto simples e agradável desse vinho , diz o colunista Robert Haynes-Peterson. “Os aromas e sabores do Moscato apresentam elementos fáceis de agradar, como flores, mel, frutas tropicais, citros, lichia, melão, maçã e pêssego, provocando lembranças familiares desde logo pela doçura marcante. Moscato é fácil de dizer, beber e comprar”, resume.

A INFLUENCIA DO HIP HOP

Marca alavancada pelo rapper Kanie West
O Moscato deve bastante de sua popularidade nos Estados Unidos ao mundo hip hop afroamericano.  De repente, rappers começaram a passar a mensagem “beba Moscato e fique legal”, mencionando o vinho em eventos, composições e videos. Logo, a bebida passou a ter destaque em clubes noturnos de hip hop e rhythm & blues, sendo até oferecido, em alguns clubes, gratuitamente às mulheres, em festas tipo “elas não pagam”.

Em 2005, Kanie West deu uma festa servindo um vinho importado italiano, o “Saracco Moscato d”Asti”, alavancando a marca. A cantora Lil’ Kim incluiu uma passagem envolvendo Moscato na letra de “Lighters Up”, ainda em 2005. Também entraram nesse caminho artistas como Soulja Boy, Gucci Mane, Rosco,  Dash e Waka Flocka Flame. Em 2009, Trey Songz e Drake  cantaram “I invented sex”, que tem um trecho assim: “É uma celebração/ clap, clap, bravo/lagosta e camarão/ e uma garrafa de Moscato”.

A glorificação do varietal veio no começo de 2011, com o lançamento do álbum “Long Term Mentality”, no qual Ab Soul  e Kendrick Lamar cantam “Moscato”, uma canção que diz: “quando as coisas estão difíceis de engulir/ precisamos de uma garrafa de moscato”.

Alguns analistas lembram que anos atrás as preferências de astros do hip hop elevaram, nos Estados Unidos, as vendas do champagne Cristal, da francesa Louis Roederer, a qual acabou embaraçada com a associação do hip hop à sua marca. Na fase atual, refletindo o tempo de dificuldades econômicas pelas quais o país vem passando, parece que, em se tratando de vinho, trocaram o caro pelo mais acessível.

GIGANTES DO MERCADO DOMINAM

O primeiro sinal da explosão de consumo foi registrado em 2008, quando o conglomerado de vinhos Gallo percebendo o apelo dos consumidores por um vinho de corpo leve e doce, lançou no mercado seu primeiro Moscato, sob a marca “Barefoot Cellars Moscato”, que logo tornou-se líder nesse segmento varietal. Depois disso, a empresa lançou outras sete diferentes marcas de Moscato.

A maior fatia de mercado do Moscato (43%) pertence à marca “Barefoot”, do grupo Gallo, enquanto o grupo Trinchero, com a marca  “Sutter Home” , detém outros 27%. Dezenas de produtores de massa estão vendendo Moscato, entre os quais os conglomerados Constellation (“Robert Mondavi” e “Woodbridge”) e Wine Group (“Cupcake”). A australiana  Casella, que lançou “Yellow Tail Moscato” apenas em abril do ano passado, vendeu 500 mil caixas em 2011.

Marca líder da Constellation
Para suprir o mercado, produtores e importadores americanos correm o mundo atrás de vinho desse varietal. Vinícolas da Califórnia estão importando Moscato a granel da Itália, Espanha, Chile e Argentina. Em 2011, a Argentina vendeu para grandes importadores dos Estados Unidos 35 milhões de litros de Moscatel Rosado e Moscatel de Alexandria.  Como resultado, depois do Malbec, o varietal que ocupa o segundo lugar nas exportações argentinas passou a ser o Moscato. Comenta-se também que, para manter a produção e o preço, o grupo Gallo passou a adicionar a alguns de seus Moscatos, parcelas de vinho da uva branca French Colombard, mais comum.

A agitação chegou também aos produtores de uva. Relatórios de entidades da categoria indicam que a implantação de novos vinhedos de moscato deve crescer mais de 130 % até 2015 nos Estados Unidos. Apenas na Califórnia, em 2011, 25% do total de vendas de mudas foram do varietal Moscato, o que representou 40% entre as mudas de varietais brancos vendidos.

3 comentários:

Anônimo disse...

Já tem até música em homenagem ao mscato, um rapp. Um produto que tem a cara do Brasil, mas pouco explorado

Anônimo disse...

Muito boa matéria, excelentes informações,,com relação a um produto realmente pouco reconhecido.

Helena disse...

Matéria super completa, excelente! Eu fazendo parte da geração 25-35, tenho que confessar que gosto de um moscato, mas não muito doce!